TRIN(QU)EI
Nessa cidade tem alguns chãos que eu não ouso mais pisar, não por trauma a renegociar, mas por dó da brecha que ainda tá pra fechar em vão.
Eu que achei que praticar a gratidão era só fechar os olhos, juntar as mãos e fazer um post bonitinho…
Não consigo lembrar, o que aquela menina de vinte e poucos anos tinha na cabeça, mas tenho a sensação que não era nada de muito esclarecido, muito menos planejado. Quanto mais cor tinha nas estampas dos vestidos dela, parece que mais leve ela vivia os dias, também em vão.
Não devo tentar recordar, o que passava no coração daquela menina adolescente que ainda se preocupava em não ficar de recuperação no colégio, mas tenho a impressão que quanto mais pulseiras tinha nos braços dela, mais vitalidade e energia ela conseguia descarregar sobre coisas em vão.
Não quero pensar no que aquela criança de família tradicional, tinha em mente sobre a vida, mas ela com certeza foi interrompida; porém, dessa vez, não em vão.
Acho que quando uma pessoa se interrompe, se deteriora nela, alguma coisa estranha, nas entranhas, como se fosse até abstrato. Um perfeito e cruel mau trato, que se sustenta justamente do medo de ser descoberto. Já pensou descobrir tamanha interrupção de si mesmo? Quem cometeria o erro de se degenerar a toa?
Pois é, tenho achado que a resposta pra isso, não só é “todo mundo”, como tem parecido que é um pré-requisito da vida.
Parece que a gente precisa se quebrar…
Se quebrar não pra essa ladainha de se reestruturar e começar melhor de novo e blá-blá-blá, mas se quebrar mesmo. Se desmontar. Quase como se fosse pra entender que quando a gente cresce, vamos sentir menos alegria.
E não de forma deprimida, mas porque é como se faltasse tempo e disposição pra ela. E isso não é morbidez, nem uma crítica a motivação chatíssima que tem tido ultimamente. É só talvez a coisa mais inteligente que eu tenha feito nos últimos meses/anos. E isso não é muita coisa, até porque eu não tenho feito muitas coisas inteligentes.
Então, o fato é que eu, com muita certeza, não estou pronta, querendo, muito menos com condição, pra escrever uma carta pra nenhuma dessas meninas, nem a de 7, nem a de 13, nem a de 22, muito menos a de 30 anos.
Por um motivo muito simples, eu falhei miseravelmente na minha missão no mundo, que era SEJA INTEIRA ou INVISÍVEL.
Cá estou eu, visivelmente pela metade…
E essa falha me trouxe muitas consequências; a mais perfeita delas foi de um dia comum que eu estava andando na rua, e uma coisinha peluda tentou subir na minha perna, eu achei que era um rato, mas era um projeto de cachorro, que eu resolvi chamar de Pipoca e que veio a se tornar o maior amor da minha vida.
Além dessa teve outra bolinha desnutrida de pêlo branco, que 1 ano depois, dormiu por alguns pouco segundos nos meus braços, eu chamei de Menta e se tornou o motivo da minha vida ser mais completa e me fez ter um propósito de cuidar deles.
Tiveram umas outras 87 consequências, contando por cima, mas essas 2 certamente são as bordas da construção dessa base que eu costumo ficar em pé.
É difícil lidar com a expectativa do outro, ainda mais quando esse outro tem papéis grandes nas tramas diárias da vida; e nessa onda de não ser invisível, eu acabei achando que eu estava me desconstruindo pra tentar me fazer melhor e pipipipopopo. Que grande baboseira. Eu estava era quebrando mesmo, esquartejando, me fudendo. Não tinha nada de ré isso ou ré aquilo. Me fudi mesmo!
Tentando ter o corpo escultural, tentando casar e ser mãe antes dos trinta, tentando ter uma estrutura financeira e mais umas 319 metas falhadas.
Sabe o que aconteceu? Nada!
Hoje eu não sou nada demais, mas também não sou pouca bosta. E isso é bom, eu acho.
Estava numa livraria um dia qualquer, esperando minha namorada comprar um corretivo, e um senhor de 74 anos olhou pra mim e perguntou “você tá triste?”. Claro! Mas como eu ia falar pra ele que estava triste porque estava quase fazendo trinta anos?
Trinta não é a idade do sucesso… é a idade do sucessor.
Ou seja, deve ser a idade que a gente entende que vai ter que passar tudo numa peneira abstrata pra saber o que vai precisar pegar primeiro pra poder começar o malabarismo do caos que é a vida.
Então não, eu não me atrevo a escrever pra essas meninas, porque elas não merecem saber que depois fica tudo igual. Só que com menos cor e menos pulseiras. Não tenho coragem de contar que ela não vai pisar na Lua, nem que não vai conhecer os continentes. Não posso dizer a elas que a gente nunca mais (até agora) vai ganhar a copa do mundo, e ainda vamos carregar uma derrota de 7x1. Não vou falar que vai rolar uma pandemia que vai ser quase o arrebatamento de metade do planeta. Não vou dizer que elas não vão ser mestras e doutoras, tampouco uma escritora de sucesso. Não posso simplesmente falar que elas vão ser retiradas dos eventos e grupos familiares, e que a família que elas vão construir, não vai ser considerada uma família, nem mesmo pela mãe delas. Não vou dizer que vão fazer 3 décadas sem nunca pisar no solo sagrado (Liverpool - onde os Beatles iniciaram). Não posso contar que elas vão perder a Lucy, e que vão sentir o coração dela parar de bater nos braços delas). Não posso dizer isso!
Eu simplesmente não posso contar a verdade das próximas fases, porque são duras e cruéis, mas sobretudo são delas! E ninguém mais poderá vivê-las tão bem, nem que seja pra se sentir tão mal.
A injustiça da vida é também a sua prova de maior gratidão.
Quando a gente acredita que o amor pode passar por tudo, fazemos ele passar por tudo, e é aí que o fim começa.
O mal do século novo é justamente essa criação nova em achar que as coisas sobrevivem sem se movimentar… tudo que fica imóvel vira pedra!
Talvez por isso as pessoas de 30 anos estão começando a correr… porque estavam virando pedra, e se tornando as próprias pedras no sapato ou no caminho, tanto faz.
Já tem um tempo que eu quebrei a corda e tô por um fio, mas esse bendito desse fio, tem tantos nomes, variam com o tempo e o passar dos dias, mas na maior parte das vezes, é como um fio musical que canta assim “o amor é filme, eu sei pelo cheiro de Menta e Pipoca que dá quando a gente ama”.
Não acho que tô pronta pra recomeçar, até porque não acredito em recomeço. Não acho que isso seja sobre superação porque se tem uma coisa que eu não faço é superar absolutamente nada. Na verdade eu não acho que seja sobre algo específico, só mesmo um monte de mistura que no final das contas é mais um sonho vomitado.
E também não acho nem sinto que destravei, mas isso aqui foi só uma tomada de fôlego pra dizer que:
Ainda tô no jogo!
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