Passaporte de Ouro
Os protocolos do mundo pós moderno não foram me encantando aos poucos; na verdade eu sentia que já havia nascido pronta pra eles; ou até não pronta, mas eu queria tudo! Tudo mesmo, o mundo todo e todas as coisas.
Carreira armada como se fosse uma tropa constitucional que me daria um passaporte pra viver de todas as formas. Estruturas firmes, mesmo estando sempre aptas à parar e tomar fôlego com novas experiências.
A conquista da independência financeira e um teto pra minha família morar, já era o ponto de partida do arco-íris; e eu sabia que ao final, estaria lá a minha espera, o pote de outro.
Eu sempre quis conhecer o mundo, fosse nas viagens aérea de primeira classe, fosse num vagão do navio onde os cachorros fazem cocô, ou com uma mochila e uma barraca pendurada pegando carona. Nunca me importei; eu só queria o mundo.
É certo que a lei do esforço mínimo faz a nossa geração correr em busca do que nos proporciona condições de manter mais ainda no mínimo, e isso sempre me incomodou numa profundeza muito grande.
A gente vai fazendo escolhas e percebendo quantas outras deixamos pra trás; eu deixei muitas, muitas me deixaram e outras, fui obrigada a abrir mão; mas ainda assim, eu escolhia o mundo. Não tinha vontade de ser conhecida, mas tinha uma ânsia gigantesca e feroz de conhecer!
Há uns anos, eu ouvia com arrepio na pele, uma música que tinha o trecho “ela só quer viajar, daqui pra qualquer lugar; ela é linda louca e mimada, na sua estante imaginaria coleciona corações”. É claro que eu tinha certeza que a composição dessa música foi pra mim.
Bom, depois de alguns anos me frustrando, escolhendo, conhecendo mais e mais, indo a sessões de terapia, praia, prestando atenção em letras de músicas, revendo as lembranças do Google fotos, morrendo de saudade dos tbts, e nos meus infinitos pensamentos aleatórios, eu entendi que já estava a muito tempo no mundo. No meu!
No que eu fui construindo; e que por vezes meu arco-íris ficou em tons de cinza, ou tatuado em preto, como diria Eddie Vedder; sangrante como os versos de Graciliano Ramos, ou verde e amarelo como as cores que representaram ódio e depois esperança pelo meu berço materno.
Eu construí sim uma carreira, 6 anos me sustentando da ciência que estuda gente! Olha que loucura. Eu gosto da ideia da palavra loucura terminar com cura…
Conquistei a vida; me senti grande e depois miúda como se respirasse em posição fetal.
E eu que tanto falei sobre conhecer e conhecer; percebi que conheci o melhor dos mundos: as pessoas. Os mundos infinitos em cada uma das pessoas que passaram pela minha vida.
Uma exatidão em seus contrários; um som ensurdecedor de quem se sufocada de tanto calar. E uma imensidão de Psique e Eros. E olha só que incrível; eu gosto da ideia de Eros rimar com Zeros. Porque ao final é tudo que é né; Zero! Pra vir a chance de começar de novo.
Há dias que tudo que eu quero era ter feito tudo diferente, e aí me dá uma crise de riso porque eu lembro que não tenho querer, eu tenho tempo hábil; e faço dele um aliado, pelo menos uns 5 dias por semana. No resto eu só choro, me lamento da rotina esgotante e do excesso de boletos.
Bom, eu meio a isso, entre todos os mundos que eu conheci, um deles se fundiu com o meu, e constituiu mais um protocolo de compromissos pós moderno; minha família!
Caótica; talvez pecadora, nenhum pouco tradicional; cada um tinha sua própria cor, seu próprio remendo, seu destaque e tons desbotados; e quando eu senti cada um desses mundos juntos; tava lá de novo, o arco-íris!
Meu corpo tá mudando, por fora e por dentro; tá se transbordando numa fábrica singular, para que mais uma corzinha do arco-íris venha a nascer. Mais um mundo pra cuidar e deixar viver para os mundos.
Na minha estante imaginaria, eu ainda coleciono corações, mas em especial o que vai começar a bater, dentro da minha barriga; ou em outras palavras; do meu pote de ouro ao final do arco-íris.
Por enquanto, eu não carimbei meu passaporte, mas tô descobrindo aos poucos, que vou embarcar na maior e mais desafiadora viagem da minha vida.
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