O prazer de não saber


Na década de 90, eu achava que depois dos anos 2000 algumas coisas estariam bem mudadas. Imaginava coisas pequenas mas de grandes valores. Talvez valores simbólicos, até porque, sim, eu sempre fui muito apegada a isso. E aí os anos 2000 chegaram... E passaram. 21 anos de um século se passando e eu ainda fico pensando em algumas coisas que talvez nem sirvam mais. 

O círculo dos nossos olhos estão cada vez mais retangulares. E nossa mente que um dia já foi vasta, tende a ficar quadriculada. Nossos membros que formam par, parecem quatro patas. E nossa rotina que parecia ofegante, ficou pálida. 

Ansiedade virou regra ter. Deprimido ficou feio não ser. Se é quieto, é autista; se danado, hiperativo, organizado.. obsessivo. Se come demais, vomita. Se come de menos, compulsivo. Se é amostrado, se acha. Se fica tímido, se passa. Não tem mais jeito.

Crítica social não pode mais ser dita, precisa ser construída para então autoconstruir-se. A palavra é tão grande que o corretor do celular não entende. E por ele não entender, eu achei que ela nem existia. E quando me vi achando isso, por um momento esqueci de tanta ética e me flagrei corrompendo minha própria licença poética.

Ahhh que saudade das poesias tortas. Da afinidade mórbida. Dos emos com cabelo lambido e das patricinhas usando salto rosa. Se eu soubesse não teria reclamado da batata frita do seu Zé oleosa, do Din Din amolecido da tia do colégio, e das donas da farra na escola. Se eu soubesse que hoje às regras seriam outras, eu teria me importado menos com o jeito que a menina esquisita da sala falava. Ou com o óculos fundo de garrafa do nerd CDF. 

Depois dos anos 2000, as classificações são outras... Quem é digno ou não de ter uma consulta médica. Quem pode ou não entrar num supermercado pela cor. Quem consegue uma imagem ética. Quais os casais que apanham na rua, e quais podem entrar na igreja. Quais amigos são boas influências e quais devem frequentar sua casa. Qual medicação me deixar calmo e qual me deixa vivo.

O quase morto não exige mais. Isso mesmo, exige. Não existe. Dessa vez não foi o erro só do corretor. Pra ser quase morto não tem mais nenhum pré requisito, basta saber. O conhecimento que antes era belo, hoje é um mero aquecimento pra se perder e se prender. 

Eis a época que vamos, não somente achar, que o prazer estar no não saber. Mas sim, ter a certeza. 

Afinal, do que você sonha em fugir, baby? 




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