Surtei, e atirei o pau na dona Chica


Tem muita coisa que não pode.


Imagine só uma tartaruga de casco colorido correndo do banheiro

Eu diria, "uma alucinação", ou "um devaneio". Mas na verdade eu sentiria, "uma necessidade".


Esse texto é sobre cor, e tudo que rima com ela.

Lidar com as cores é tortura e capricho. É um sacrifício e prazer. É um passatempo necessário. É um estranho natural.

O mundo traz rituais cruéis de certezas e garantias de um futuro bom. Ele nos treina pra ser modelos de mais garantias. O diamante nunca lapidado, o brilho nunca transmitido, o nome nunca situado.

Os detalhes que viraram mimos ou erro gramatical, começam a incomodar quem nunca se interessou pelo português.

Ora mais, quem acha que uma simples letra fora do lugar deve ser tratada como uma militância?! Então... Eu acho. Todes nós deveríamos concordar, que pra alcançar um lugar de fala, o caminho precisa ser aberto. A voz que tentam calar, ainda nem deu seu grito porque ainda nem chegou no seu maior local de fala. A fala da sensação. Ainda estamos na parte do ambiente. O ambiente que pode dar as mãos (literalmente), o ambiente que pode se olhar e sorrir com malícia e carinho, o ambiente que pode dividir um copo e o ambiente que pode usar azul em meninas e rosa em meninos. Um ambiente em que um negro entra e não é barrado. Ou que uma pessoa de vestimentas simples possa pagar a conta. Um ambiente em que uma mulher passa de short curto e não é olhada com intenção de desrespeito.

Quem acha que isso é mimo ou rebeldia sem causa, não merece sequer a hipótese falha de achar que tem opinião. 

Nós nossos classificados a séculos, e por isso destinados a segregar o que for diferente. E quem vai se atrever a ser diferente, pra então se tornar selvagem? Então... Eu. Selvagem era a palavra de antes, hoje temos codinomes, rebelde sem causa, mimado, cheio de frescura, intolerante, militante, revoltado etc.

Se antes os homens saíam de casa pra proteger suas famílias, era também porque nunca havia de passar pela cabeça das mulheres, fazer o mesmo ou parecido. Até porque, o que mulher saberia fazer além de cuidar dos filhos e manter a casa em ordem.

Se antes os negros eram vendidos e dominados pelos brancos, era também porque nunca era proposto que um negro soubesse administrar qualquer coisa como uma pessoa nobre, porque a cor da pele certamente impedia. 

E por aí vai essa nossa grande e boba filosofia de achar que sabemos algo né. 

As vezes eu fico pensando se o mundo tá realmente ao contrário como diria Cássia Eller e Nando Reis em relicário, ou se isso é só uma mera voz de uma esperança falha que nunca saiu da gente que forma o "todes".

Não dá pra pensar que alguém que diz "eu não tenho preconceito", realmente acha que falar e sentir dá no mesmo.

A sensação de exclusão faz a voz sair. Faz o O ser trocado pelo E. Faz a vontade de manter em equidade vir a tona.

A sensação não classifica, ela mistura. Ela mescla pela diversidade. Ela aprende com a confusão e se mostra na ausência de comparação.

O dinheiro do fulano não compra minha orientação.

O olho claro do cicrano, não molda o tom da minha pele.

O textão do homenzarrão dizendo que esse povo fala demais, não cala a minha vontade de ser eu.


Eu não quero escolher o banheiro. Eu não quero receber um "psiu" na rua. Eu não quero deixar de pegar na mão da minha namorada. Eu não quero ser perseguida. Eu não quero apresentar meu marido como amigo porque sou homem também. Eu não quero que quando eu fico rouca me digam que tô com voz de traveco. Eu não quero ter peitos se não me sinto confortáveis neles. Eu não quero andar de bike e a tia rica atravessar a calçada. Eu não quero querer essas coisas nem achar que elas são assim mesmo. 

Eu não quero ensinar quem eu vou parir, que esse mundo é bom se ele mais classifica do que mistura. 

Se nós somos a mistura, por que eu não posso escolher ser de todes as cores?!

Se nós somos todos iguais, por que minha mãe chora toda noite se perguntando onde foi que errou?

Se nós temos os mesmos direitos, por que eu tenho que apresentar como prima a mulher que eu amo?

Se nós somos respeitados, por que eu não posso ter um tapete colorido na porta de casa? 


Se tá sempre tudo bem, por quê eu ainda tenho medo de viver assim?


Antes de falar, escuta. 

Antes de achar que sabe, pergunta.

Antes de se titular como não preconceituoso, lembra que não sente.

E se não sente... Não cala a voz de quem faz a diversidade acontecer!


Imagine só, uma tartaruga de casco colorido correndo do banheiro...


Arrombei a porta do armário.

Mãe, você não errou em nada, mas deixa eu te contar uma coisa,

A vida aqui fora é linda!

Assim que der, me abraça... 

Isso pode.


😾


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