Café
Fazer as pazes com o Câncer é uma tarefa difícil.
Quando uma pessoa da família tem câncer, todo mundo também tem!
Tratar de tabus, além de desconfortável é corajoso e insano, ao mesmo tempo. É desgastante mesmo no início, e é intimidador, mesmo no final.
Todas as pessoas possuem células cancerígenas, algumas se manifestam e outras não... Essa ladainha dita pelos cientistas vira balela quando se compreende na prática do que se trata um câncer.
Começa como se fosse nada. Uma bobagenzinha que de repente começa a crescer e incomodar. Quando se recebe O diagnóstico de "nódulo", é aí que começa a missão de torrar todos os neurônios de Deus e todos as criaturas consideradas religiosas. O nome biópsia é uma facada que não mata, porque ela deixa no aguardo. E o resultado "positivo", é o início do fim.
Fala-se em tratamento com medicação, quimioterapia, radioterapia, cirurgia, oncologia etc. Mas a saúde mental vai indo e indo até que se esvaí e escafede-se.
A luta contra o câncer é sempre perdida mesmo quando a pessoa sobrevive, porque ele tira da gente, a força que achamos que temos por toda a vida.
Quem é fechado, chora.
Quem é chorão, desmaia.
Quem é gordo, emagrece.
Quem é discreto, faz escândalo.
Quem é ateu, faz promessa.
E por aí vai.
Ele prova que não somos nada e ao mesmo tempo que vem uma pressa infindável de viver e viver bem. E não é um viver com isso ou aquilo, é viver apesar disso tudo.
Ele vai tirando o peso do corpo, a força dos músculos, o peso da voz... Ao mesmo tempo que vai deixando o brilho nos olhos, o aperto nas mãos, o sorriso no rosto e a gratidão.
A família que não se via, faz festa todo dia.
As fotos que não eram tiradas, formam álbuns.
Os euteamo que não eram ditos, são gritados.
Me impressiona até hoje como sempre precisamos da sensação de perda pra poder perder ainda mais, mas ao menos, sentir um ganho puro da conquista pelo amor.
A culpa não é do câncer. E por isso fiz questão de repetir a palavra câncer sete vezes. Não é essa palavra "câncer" (oito) que precisa ser evitada, é a forma que a gente se comporta até ela chegar na nossa vida.
Se o câncer fosse uma entidade viva, elx teria que agradecer a mim e a muitas outras pessoas que deixamos nossos babys tão especiais ir fazer companhia a elx e nos deixaram por aqui. De todo modo, eu perdoo você seja você quem for, e quando digo isso, digo que me perdoo por todos os finais de semana que fui a praia e não fui vê-lo, ou de quando preferi acordar um pouco mais tarde e não o acompanhei na radioterapia, e também quando fiz questão de não olhar para o caixão indo embora. Eu perdoo porque nos últimos segundos, ele olhou pra mim com os olhos marejando e utilizando toda a força que tinha, apertou bem de leve meus dedos da mão. Eu sabia que ele tava me dando tchau. Eu perdoo porque mesmo sabendo que ele tinha medo porque não queria ir, ele foi de forma tão leve sem nunca ter tido uma reação de pânico. Eu perdoo porque quando eu perguntei pela última vez o que ele queria, ele me respondeu: "café".
Mas de forma simbólica, quando alguém pergunta se alguém na família teve câncer, eu sempre digo "todxs". Porque quando uma pessoa da família tem câncer, todo mundo também tem!
Toda a vida merece ser vista por você!
E por mim também.
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