Meu poema à Drummond


Eu também nunca esqueci que tinha uma pedra no meio do caminho e no meio do caminho tinha uma pedra. Esses dias eu estava pensando em você e lembrei de quadrilha, mas especificamente, lembrei de J. Pinto Fernandes. Era década de 60/70 e hoje eu fico pensando " em quem será que ele estava pensando quando falou de J. Pinto Fernandes?". 

Já considerei várias hipóteses, entre elas, duas chamaram minha atenção, ironicamente, uma estar entre a outra. 

Se eu tivesse no seu lugar e precisasse dar um fim a Quadrilha, eu pensaria em alguém com as mesmas funções de J. Pinto Fernandes, alguém que nem tinha entrado na história, e que não amava ninguém.

Minhas duas hipóteses na verdade viram uma só: Como poderia haver alguém que não ame alguém? E já que provavelmente não há, essa pessoa não estaria na história porque nem mesmo existiria. 

Mas o fato Drummond, é que o que eu venho te falar aqui, não é muito bom. O J. Pinto Fernandes existe. E assim como ele, existem vários, existem multidões de J. Pinto Fernandes. Por algum motivo houve uma desconfiguração cultural, que as pessoas resolveram se transformar em J. Pinto Fernandes. 

Hoje as pessoas acham bonito não amar ninguém, não estar perto de alguém, ou não fazer parte de uma história. Casar por casar. Ter filho por ter. Falar por falar, sem nunca fazer. Hoje há quem acha bacana dizer que é contra tudo e que sensibilidade é frescura. Tivemos que criar um mês amarelo pra prevenir a valorização da vida. Tivemos que criar um mês rosa pra prevenir o câncer de mama e um azul pra o câncer de próstata. Tem mês de toda cor pra ver se as pessoas lembram que são pessoas, e que sentem. 

J. Pinto Fernandes se tornou um ícone, só que a favor da destruição da afetividade, seja ela homo ou hétero, colorida ou sem cor, viva ou morta, fervente ou morna. Tudo gela, tudo é mera coincidência e nada mais passa de babaquice social. 

Até o nome do nosso presidente hoje, começa com J também, e ele curte o Pinto Fernandes, porque é um deles. E sim, ainda temos democracia, e ele ganhou com o voto da maioria, daí você tira...

O ano aqui é 2020, e vou pular a maior parte pra você não ficar com dor de cabeça, mas por aqui tá foda. As garotas de Ipanema não são mais elogiadas sem serem assediadas. As águas de março ressecaram. Os poemas de Vinícius se tornaram finitos e as letras do Tom na voz da Elis são cada vez menos tocadas. 

As falhas da nossa vida tem muito mais a ver com os nãos que a gente não dá, do que com as possibilidades que a gente não tem.

O nosso caminho tá sendo feito, e infelizmente as pedras estão se multiplicando. Desculpas as más notícias, mas hoje eu acordei pensando em você e resolvi te escrever pra tornar meu dia mais leve.

E ficou.



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