A flor nascida no asfalto
A intolerância se moveu como se tivesse ganhado vida. A insistência do ódio se apropriou do legado humano como se nunca tivessemos vivenciado outra sensação. O tempo tem passado no objetivo de alcançar algum propósito.
O que um dia foi simples de coração, ficou vago.
A beleza das cores virou palhaçada.
A riqueza dos amores, precisou de remédio pra curar.
O aprendizado das dores, tornou-se depressão.
E a exatidão dos horrores, virou pecado expressar.
Nunca se viu um tempo tão rápido
Tangenciando um norte que nunca sai do lugar
O rumo que nos habilitava a passar pela vida
Hoje se tornou só mais uma trilha pra os bestas decorar.
E eu que comecei a escrever uma crônica,
Acabei com mais um rima pra somar.
Somar como tudo que sai de dentro pra o papel.
Sair de dentro pra não por dentro, se afogar.
Rimar com o que termina com "ar" é fácil.
É só pensar em tudo que nos falta.
Lembrar do que já nos construiu,
A atravessar o que nos mata.
O asfalto é um bicho tosco e sem futuro
Duro e inacessível que nem pedra
Quente e ilusório que nem muro
Pra sobreviver nessa vida e ser diferente
É saber que não tem como não sentir
O que vem de cima e acalma a gente.
E o poema que virou soneto
Retorna pra poesia como prosa
Nada como uma rachadura sem conserto
Pra no meio dela, nascer uma rosa.
Essa misturada toda de arte
Vou aproveitar que você me atura
E lhe contar um conto breve
Pra completar essa mistura:
Numa cidade pequena e pouco povoada, tinha nascido um brotinho. Sem cor certa, meio parada e com medo do mundo. O tempo passou por ela como se fosse dela, e a sujeita que se asujeitou a sentir a diversidade, começou mesmo com pouca idade a achar o diferente bonito. Logo se aproximou da cidade pra ver que a vida era mais que um leve risco.
O barulho das buzinas dos carros ficou exalando confusão em grande magnitude, ela se oferecia pra ser gentil e aquela frase se repetia "você que lute". A crueldade ao invés de assustar, começou a virar risco, rabisco, cortiço e no meio disso ela resolveu virar tela, de pintura, de cor, de respeito a aquarela. Achando que ia parar de rimar, começou a tomar chá... De cadeira, de espera, de janela e de peneira. E pra quem acha que isso não tem sentido, vou explicar.
Um chá de cadeira todo mundo conhece, afinal, quem nunca ouviu uma prece.
O chá de espera é mais besta ainda, até porque a expectativa foi criada pra além de ser esperada, ser também frustrada.
Já o chá de janela vem da esperança de olhar pra algum lugar e ver por ela o que nossos olhos temem em abrir e se apaixonar pela falta dela.
E o chá de peneira vem pra completar, que onde falta ar, é onde se nasce a vida. Até porque quem morreu, já não pode mais respirar, nem filtrar as companhias da nossa ida.
A flor que virou gente grande, começou a entender que era uma estrangeira, dentro de seus silêncios, ela tinha um nó na garganta que dava coceira. Os excessos que gritavam, os verbos que calavam, e tudo que ela queria, era ver uma vez por dia, o vulto do que ela amava.
Ela amava a vida, porque ela era um caos de tudo. Não tinha tempo pra luto nem mesmo assunto que calasse mudo.
Ela amava a morte, porque era um danado de um bote. Que afundava todo dia, e antes de ir, nos desejava boa sorte.
Ela amava o tempo que tinha seu tormento, transtornos e alentos. Mas que nunca paralisava porque sabia que sem ele faltava o propósito de um sustento.
Ela amava gente, porque era sempre sorridente, chorando ou carente. Não tinha nada no mundo que explicasse o porquê de um povo tão ausente.
Ela amava a ausência, porque nela tinha essência, riqueza e potência. E quem sabia o que ela significava entendia que entre ela e saudade, tem a sua diferença.
Ela amava as emoções, boas, ruins, de todas as visões. Sabia que se não fossem essas moças, não nos cabia as ações.
Ela amava tanta coisa que não tinha mais pra onde correr, ela era amada pela vida e pelo simples fato de viver.
A flor nascida no asfalto
É quem anda na contramão
Quem se diverte com o que nem tem
E só ama com o coração.
Um dia ela parou no tempo dela
E ouviu uma canção
Que lhe fez tremer na base
Porque ouviu com o coração
"Nessa terra de gigantes
Que trocam vidas por diamantes
A juventude é uma banda
Numa propaganda de refrigerante"
Passar pela vida é mais que existir
A flor que nasceu de uma rachadura
Entendeu que o tempo é só amar e ir
Renascer para sentir a própria cura.
E no meio de tanta história
Não tem terra de gigante
Que sustente uma guerra
Pra quem tem coração de amante.
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