O primeiro dia da minha vida
Quando meus olhos abriram eu achei que tava claro demais. Ardeu e parecia penetrar luz na parte de dentro dos meus olhos. E de repente tudo começou a se mover. Alguns riam, outros choravam, mas a maioria ria e chorava ao mesmo tempo. Eu não entendia nada. Era frio e tinha cheiro de fumaça ou algo queimado.
Nasci no outono, tinha folhas laranjas, e eu sonhava que meu cabelo fosse daquela cor.
Eu nadava pela vida e alguns dias achava o máximo, já em outros, queria me afogar e nunca mais ver aquela luz tão clara.
De alguma forma era bom. Era pouco e pequeno. Gigante ao mesmo tempo. Como tudo que importa.
Eu tinha uma rara lembrança de já ter conhecido o mundo antes, apesar de ter sido um mundo turvo.
Era um mundo antigo, onde as pessoas cheiravam a óleo vencido. A modernidade se solidificou como gelo, e tudo parecia ter uma forma correta de existir. As pessoas tinham que ser normais, com todos os membros, sã, magras, altas, bonitas, heterossexuais, recatadas, inteligentes, felizes... Todo mundo igual, pra poder ser diferente. Era triste.
As folhas eram secas, e todo mundo parecia ter o cabelo de uma cor só.
Eu não entendia como isso acontecia, mas a maior parte da população escondia as lágrimas pra ganhar poder e roubava sorrisos alheios para ser grande, e quanto maior estavam, maior queriam ficar, pra fazer sombra e chamar mais atenção. Era estranho.
Tinha esferas que selecionavam esses povos. Política, religião, raça, gênero, idade, classe social etc. Eles acreditavam em pessoas pra assumir uma liderança que não cabia a uma singularidade. Acreditavam que cores de pele poderia designar direitos e deveres. Acreditava que completude tinha que se encaixar como padrão de amor. Acreditava que dinheiro efetivava os laços. E acreditam que tinham que ficar prontos pra o retorno de um Deus que voltaria para salvar a humanidade, dando a salvação apenas para aqueles que são bons e praticaram o bem. E eu ficava pensando, será que pensam que vai ter um tapete vermelho do céu até a porta de algum centro de eventos, pra esse tal jesus vir cheio de brilhos e super poderes. Era esquisito.
Bom, a sanidade ficava mais vez mais lenta. Os olhos cada vez mais fechados, era tudo tão escasso e seco, que se alguma lágrima descesse, rachava.
Entre tiros, espancamentos, doenças e suicídios, o que mais acaba com as vidas, era o preconceito. E eram tantos tipos que a gente se perdia nas siglas e nas causas.
Bom, os dias que eram assim devem ter chegado ao fim, eu nem lembro bem, mas o amor que é a única revolução verdadeira, se tornou a real oração das causas perdidas e contidas, e Jesus voltou, negro, gordo, gay, tolo, lindo, pobre e sozinho, e claro, foi morto. Mais uma vítima fatal da maior causa de mortes no mundo.
E então eu nasci, num mundo que escolhi viver. Aquele que escolho viver antes de morrer. Sem sorrisos emprestados e deixando livre todas as lágrimas que vier. E se Jesus nascer de novo e vier por aqui, vou dispor o pão da minha casa e dividir com ele, mas aqui não tem vinho, só cerveja. Mas pra quem transformou água né... Já é um começo.
Que a semana seja santa. Amém!
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