Atropelamento
Por um segundo eu fechei os olhos e já deu, o sono me venceu. E nos meus sonhos tudo é colorido, eu vejo o céu, sei voar. Não sinto frio, tomo ar seguro. Tenho pensamentos, vou contar. Como se o tempo que por um segundo quisesse parar.
Ninguém pisou no freio.
Muito menos desacelerou.
Passou-se do radar. Foi multado. Perdeu a carteira provisória.
Não ligou, nem se importou.
Meus cabelos voavam pra fora da janela do carro, enquanto fazia um movimento de ondas com as mãos e olhava Ela, de olho em nós.
60, 80, 120, 160, 220km, ...
Os quilômetros aumentavam de modo assustador.
Mas nós não nos assustavamos.
A sensação era como se os pneus não tocassem mais o asfalto.
Velocidade máxima
Intensidade máxima
Enquanto conduzíamos, nos olhávamos. Estávamos ali. Ainda ali.
Eu não escorri.
Você não foi embora.
Eu olho e você sorri.
Não existe ninguém la fora.
Estamos a todo vapor.
Como as caldeiras de um navio que quer chegar ao seu destino em tempo record.
A diferença é que não foi gerada expectativas. Precauções menos ainda.
Fomos.
440, 480, 520km, ...
O vento começa a exalar um cheiro.
Que só é possível sentir quando se está a toda velocidade, mas sem pretensão de chegar.
Vamos.
860, 1080, 1440km, ...
Não é mais possível enxergar. Tudo é vulto.
Menos nós.
Nós estamos parados em relação ao mundo.
E o mundo se movimenta por nós.
Somos.
1600, 1820, 2040km, ...
Não é mais possível parar. Passou-se linhas retas, curvas simples e sinuosas, aclive e declive, quebra-molas e depressões.
Só é movido a sentido. A emoção.
O frio nos toma.
E então...
Amanheceu.
Semáforos começam a ficar vermelho.
A faixa de pedestres começa a ser ocupada.
Buzinas viram o som principal.
As placas precisam ser respeitadas.
Ultrapassagens são proibidas.
Talvez seja hora de perceber que temos que evitar um atropelamento.
0km
Perdemos a CNH
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