Poltronas premiadas


Titãs há alguns anos atrás falava e cantava sobre o acaso. 
Enquanto andássemos distraídos, seríamos surpreendidos.
E aqui estou eu, sorteada discretamente no número 23/24.
Como sempre encantada com a Serra imensa aos meus olhos. Um verde quente. Matas densas. Abismos estarrecedores. Ao som do mestre Bob Marley. E o ônibus para.
Mais passageiros seguem viagem. E agora do meu lado tem uma companhia.
Mirei no escuro um sorriso lindo.
Viro para minha tão companheira janela e volto ao mestre.
Um cheiro de cigarro me rende.
Com o passar dos poucos segundos, já estamos conversando.
Meus olhos não param de olhar os seus.
Minha boca não para de quase ir de encontro a sua. 
Ousadamente, beijei você!
Inescrupulosamente, viramos um casal.
Suas mãos encontram a maciez da minha pele.
Nosso cheiro de perfume com ônibus agora já nem se adentra mais.
Seus dedos me cercam. 
Desconhecidamente, seus lábios ainda molhados de mim, vão ao encontro da Lua cheia que me toma pela noite.
Enquanto os passageiros das poltronas comuns, dormem desconfortavelmente, nós nos enlouquecemos como um. E um em dois. Dois em um.
O itinerário já está para se encerrar.
Vemos a cidade ainda distante. 
Cada vez mais próxima.
Suas luzes passando pela janela do ônibus, enquanto a gente se revira abraçados e de mãos dadas nas mesmas poltronas.
Cidades de papel geram pessoas de papeis.
Relações de papeis e portanto, sentidos exaustos e convicções lineares e firmadas.
Nós não.
Somos nada. Sem razão nem sanidade.
Somos desconhecidos e nenhum pouco coerentes.
Somos desejo. Prazer. Indecência.
Somos descontexto. Um horror.
Porém, nosso papel molhou e não se rompeu.
Não viemos pra ficar. Mas ficamos pra o que der.
Dias vêm de novo. 
Pedindo licença aos seguranças do centro de humanas da federal, usamos o banheiro.
A cabine para se acomodar a dois.
O aparelho sanitário para apoiar o corpo.
A parede para sustentar as mãos.
Enquanto isso, sou contraída pra frente, discretamente sendo levada ao auge do pecado arrebatador que inaugura boas histórias naquele banheiro.
E mais uma vez, somos nada de novo.
Nada sem novo.
Nada por novo.
Somos nós. Sem intenção nem julgamentos.
A noite chega sem nenhuma pretensão de ficar.
"Olha só quem está em cima da gente".
Ela. 
Nos premiando com troféus de oportunidade conduzida pela espontaneidade.
E para a nossa surpresa...
Ainda estamos de mãos dadas!


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